4.6.10

DeMarisa

Marisa andava com os pés nus sobre a terra batida. Os cabelos ondulavam na ponta e oscilavam na frente dos olhos travessos, que brilhavam quando ria de mim. Ela ria muito de mim.

Eu era seu braço direito, um menino sem virtudes. Ma apegara a ela porque ela gostava de mim e também porque ela me protegia dos bichanos. Eu a seguia por todo canto, como uma sombra desajeitada. Por um bom tempo fui chamado de “Mariso”, porque jamais me desgrudava de Marisa. Ela nem ligava.

Um dia, Marisa teve de ir. Sua mãe era a moça mais bonita na Vila, aquele tipo de mulher que todos os homens olhavam quando passava. Até mesmo meu vô Nico, um sujeito que não se dava bem com palavras, enchia a boca para falar das qualidades vistosas dela. E, por tudo isso, Marisa teve de ir. A mãe virou uma atriz lá na cidade; uma atriz que depois de dois anos ia virar capa de revista.

Não foi muito que ouvi de Marisa depois disso. Não cheguei nem perto do futuro glamoroso da menina: a mãe, num jogo de contatos, ajudou-a no sonho de ser pintora moderna. E através das notícias esporádicas, imaginava que fosse muito diferente da Marisa que conheci. Nas fotos, era uma mulher poderosa, de olhar gélido. Em um ensaio de revista de luxo me parecia tão obscura que então decidi de vez que aquela não era Marisa. Que – talvez – eu nunca tivesse conhecido uma Marisa. Amiga imaginária.

Engano meu.

Marisa agora me olhava diretamente dentro dos olhos. E mesmo na escuridão daquele quarto, eu podia ver: era Marisa, dos pés nus e dos olhos travessos. Sorria de um jeito misterioso, um jeito meio Marisa-menina, meio Marisa-pintora. Me prendia todo. Me congelava.

Depois de tantos anos, tanto tempo não acreditando na existência de Marisa, ela estava ali. Os cabelos ondulados nas pontas, os olhos brilhando, aquela risada de zombaria. Os seios descobertos, o cheiro de moça de cidade. Lábios maduros. Marisa da Vila, filha da mulher mais linda, nos meus braços. De repente, me dei conta, Marisa ainda me tinha.

“Você é um homem. Um tanto desajeitado, mas é.” – ela perdera o sotaque. Seria possível que eu a amasse desde aquele tempo, de quando tinha medo de gatos? Seria possível que tal amor durasse tanto? Às vezes, eu pensava muito e falava pouco. Espantei minhas perguntas.

“Eu sempre fui teu, Marisa.”