27.6.12

Satisfação

O caminho era traiçoeiro. Tão duras quanto quebradiças, as rochas negras criavam armadilhas. Cortavam a pele ao menor contato e exalavam um morno suspeito. A trilha entre elas obrigava o grupo a dar grandes voltas, gastando o dobro da energia para alcançar seu destino. Subiam, escalando com determinação.

Já havia alguns quilômetros que Débora começara a suspeitar das indicações da velha anciã. Sua pele melada, marcada por grossas gotas de suor, reclamava por um banho fresco de cachoeira. Suas roupas tinham rasgos por todo lado, a mochila parecia ganhar 4 kg a cada passo. O pulmão cansado se irritava com o cheiro forte de enxofre, que também fazia seus olhos arderem. Suas mãos pareciam estar em chamas, sensação causada pelos pequenos cortes. Não quis passar os dedos pelos cabelos presos, mas sabia que encontraria apenas nós. E, enquanto suas pernas fraquejavam a cada novo obstáculo, subiam, subiam, subiam... incansavelmente.

"Florzinha difícil de achar, não?", alguém comentou. Débora resistiu ao impulso de sugerir que parassem e voltassem. Era uma das poucas mulheres na excursão e não quis parecer fraca. Além disso, Pedro, que andava um pouco atrás, parecia a ponto de sucumbir. Ele seria o fraco. Ela poderia até esnobá-lo.

O problema é que o garoto aguentou. Débora duvidou de sua força e viu-se pronta a ouvir suas súplicas em diversos momentos, mas toda vez ele resolvia se calar, engolia seco e continuava. Aos poucos, os outros também começaram a exibir sua exaustão. A conversa, que já era rara, transformou-se num silêncio mórbido. As respirações eram audíveis, os passos estavam pesados. Enxugar a testa com o braço, fazer pequenas pausas para descansar e recalcular o perigo da trilha, beber água em maior quantidade, resmungar mais alto pelos diversos machucados. Todos sinais do crescente incômodo.

De repente, alguém tomou a frente e começou "Chega, galera. Eu acho que..." Não continuou. A verdade é que ninguém soube ao certo qual deles havia cedido. Naquele momento, todos ficaram hipnotizados pela imagem que a última grande pedra escondia: acima das nuvens, mergulhada em uma atmosfera onírica. Idílica. Envolvidas pela névoa, as rochas pareciam sombras recortadas emergindo de um oceano branco e macio. Em seus veios pulsavam rios de lava que caíam pelo abismo em cachoeiras fosforescentes. Era quente. Árvores secas, incapazes de sobreviver em meio à secura e ao calor, ladeavam suas margens. Daquele ponto, o céu era de um azul profundo.

Mas era ela, a majestosa cerejeira milenar, encravada no ponto nobre da montanha, que os atordoou. Para Débora, não parecia crível. Não era natural ou coerente. Não parecia algo plausível. Durantes alguns segundos de torpor, ela sentiu que havia passado por um portal. Não era mais sua Terra, era outra - muito mais bela. Um lugar em que aquela paisagem era possível e que qualquer coisa poderia se realizar. Qualquer coisa!

"É ela." A voz de Pedro a acordou. De repente, a consciência retornou ao grupo. Trocalham olhares incertos, cheios de hesitação. O próximo desafio era alcançar a cerejeira e provar de suas lendárias flores. Um eles deu o primeiro passo. Alguns os seguiram. Depois, os outros.

Débora ficou. Observou os outros pelas costas e até fez menção de segui-los. Mas não o fez. Sabia que não precisava. Virou-se para o caminho da volta e sentiu o orgulho abrir um largo sorriso em seu rosto. Estava satisfeita.

Inspiração: http://arcipello.deviantart.com/#/d5118nz

12.6.12

Avante

Seus passos era cuidadosos, milimetricamente calculados. Relevantes.


Caprichosos demais para levá-lo para frente.