13.8.12

O futuro de Amanda II


Amanda era inteligente, verdade. Esperta. Forte. Crescera uma pessoa boa, fiel. Motivo de orgulho para qualquer mãe. Possuía diversas qualidades, trazia suas próprias marcas, muitas das quais jamais entenderia. Mas, acima de tudo, era jovem.

Até onde sabia, Amanda era uma garota feliz. Tinha sua família, namorado, trabalho. Não era perfeito, porém, evoluía com perfeição. Praticamente mulher feita, prudente o suficiente para trilhar um caminho de sucesso. Feliz, porque sabia muito bem o que queria, ainda que cedesse a uma tristeza eventual. Tinha vida, tempo, energia. Futuro.

Por isso, o velório passou-se tão melancólico. “Tão nova, tão cedo.” Comentários sobre os possíveis motivos de sua terrível decisão. O caixão ficou fechado durante toda a cerimônia, pois optara por não preservar seu corpo. De todos os seus atos, aquele era o que mais machucara Íris. Era cruel enterrar uma filha, mas doía não poder vê-la pela última vez. Íris encarou o fato como um último castigo, mesmo sabendo que Amanda nunca o faria conscientemente.

Sabia que a raiz de sua culpa vinha de um tempo em que sua primogênita era nova demais para guardar os acontecimentos na consciência. Nascera num ambiente conturbado, cheio de problemas, dúvidas e discussões. Íris havia feito seu melhor, mas a urgência em sobreviver superou todo o resto. Nesse turbilhão, Amanda foi muitas vezes esquecida.

E se tivesse brincado mais com a pequena? Oferecido mais carinho, mais amor? E se tivesse lhe dado mais do seu tempo, em vez de desperdiça-lo em lágrimas e preocupações? Teria ela chegado a esse fim?

Sua pergunta mais importante, no entanto, era outra: poderia ter evitado esta trágica conclusão? Amanda era, em muitos aspectos, misteriosa. Se tinha motivos para se deprimir a tal ponto, nunca os revelou. Nem sequer demonstrou, implícita ou explicitamente. Mas, se os tinha, era sua obrigação como mãe percebe-los. E por dias, até meses, ficou revivendo cada momento ao seu lado, esperando captar algo novo, qualquer coisa que denunciasse sua inclinação. Não conseguiu.

No meio do caminho, falhara. Seus erros alcançaram tal nível que perdera uma filha e – pior - não seria capaz de mudar o fato caso voltasse no tempo. Se Amanda a culpava, nunca lhe acusou. Porém, não diminuía sua responsabilidade.

Estaria sua caçula a salvo? Teve medo. Uma de suas filhas não tinha mais um futuro. A outra poderia estar seguindo o mesmo rumo. Quantas vidas conseguiria arruinar? Não queria saber. De uma coisa tinha absoluta certeza: não deixaria que acontecesse de novo, independente do que tivesse que sacrificar.


(Continua...)

Futuro de Amanda I
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Futuro de Amanda V

4.8.12

O futuro de Amanda I



“Eu quero mais. Muito mais.”
Amanda encerrou o recado sem despedidas, desligou o celular e o enfiou em um dos bolsos da calça jeans. Uma lágrima descia pela bochecha, solitária. Não queria criar um drama maior do que o necessário.  Aquele redemoinho, que revirava seus órgãos de cima a baixo, desde a cabeça até as entranhas, era suficiente.

Naquele instante, o mundo caiu em suas costas e não conseguiu mover mais nenhum dedo. Sentiu a brisa dar movimento aos fios rebeldes do cabelo curto e deixou que o peso lhe esmagasse pouco a pouco. No peito, uma pequena esfera crescia, pesada, e puxava-a para frente.

Amanda estava sentada na mureta de uma laje mal vigiada. Queria chegar ao topo de um prédio e ver o céu sem os limites dos corredores urbanos. Lá em cima, podia deleitar-se de uma tranquilidade rara e observar o voo amplo dos pássaros. Quem sabe sentir-se como um deles...

Impossível. E riu consigo mesma ao pensar nesta palavra.

Tudo parecia possível à sombra de sua tragédia. A garoa de ouro, vinda de um céu rosado, capaz de pintar o asfalto de turquesa, apontando assim o caminho óbvio para as grandes possibilidades: a eterna viagem, as companhias insanas e a carreira proibida. O entendimento entre pais e filha, entre todos os povos, a aclamada paz mundial. Triste, como o menino que observa o doce que não pode saborear, ela sentiu a fagulha. No fundo, em meio à escuridão, aquela fraca pulsação.

Por que não sentir-se como um pássaro?

Lá embaixo, passos apressados e carros barulhentos criavam o fluxo de uma terça-feira comum. Por dois segundos, Amanda compreendeu porque, às vezes, aqueles bichinhos trocavam a liberdade de suas asas por uma espiadinha àquele cenário hipnotizante. Com dificuldade, esticou o braço na ânsia de alcança-lo e então percebeu o tamanho de sua vontade de fazer parte. A bolinha em seu peito apertou.

Sem perceber, estava flutuando. O peso do mundo se dispersou em gotículas de alívio. Calma, foi se afastando da vastidão azul. Quando se deu conta, não teve tempo de pensar em muito. Não se deixou refletir sobre sua vida. Em vez disso, pensou sobre o futuro. O que a esperaria? Encheu-se de inspiração para desvendá-lo.

(Continua...)

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