11.3.12

Da janela

Quando olhei pela janela, senti uma estranheza.
Podia jurar que aquele pequeno prédio espelhado tinha uma parede azul. Mas, naquele dia, exibia um creme sem graça, desses de casinha de interior.

Era certo que alguma coisa havia mudado nele...
Se era a cor, nunca mais poderia saber.

2.3.12

A espera

Andava por um caminho tortuoso. As folhagens densas e os galhos grossos escondiam a estreita trilha de terra e o caminho incerto não permitia que se visse além de um ou dois metros à frente. O ar era úmido, quente e pesado. A cada passo, folhas batiam em seu rosto e, ao olhar para cima, só via as copas de árvores. Estava sozinha e já andava havia alguns quilômetros, mas Marta não tinha medo. Era corajosa, gostava de uma aventura. Era uma menina esperta e cheia de vida

A trilha terminava em uma clareira, onde ficava um pequeno sobrado de madeira. Longas tábuas verticais, pintadas de um tom azul-piscina, desgastadas e sujas, formavam suas paredes. No telhado, faltavam algumas telhas. Nas janelas, alguns vidros. A varanda se estendia por toda a sua fachada e recebia os visitantes com os sons tilitantes do mensageiro dos ventos.

O interior da casa trazia um cheiro fresco, de úmido e mofado. Fora sempre assim. Seus cômodos eram escuros e cavernosos. Abrigavam poucos móveis, pouca ou nenhuma decoração. Não deixava, porém, de ser aconchegante. Marta chamava aquele sobrado de lar desde seu difícil nascimento no quarto do andar de cima. E não o abandonara desde então.

Como toda menina, tinha grandes sonhos. Chegar longe, alcançar o horizonte. Era tão bonita, tão cheia de energia! Poderia ir para onde quisesse... mas não ia. Ia gastando sua juventude nas pequenas tarefas domésticas, em reexplorar a região já explorada, na solidão e nos planos do futuro. Um futuro que nunca chegava.

Não era dada ao medo nem à desistência. Era algo naquela casa, na cor desgastada, na varanda velha, no mensageiro dos ventos... Era algo que era dela e a que ela pertencia. Um pedaço essencial que não a permitia deixá-la para trás.

O dia, porém, chegou.
Marta finalmente iria embora. Não olharia para trás.

Foi até o quartinho, fez sua mala. Poucos pertences. Suspirou profundamente o ar úmido daquele lugar. Visitou cada cômodo, cada lembrança. Lembrou-se dos momentos ternos e dos momentos dificeis. Deixou-se viajar pelas décadas ali marcadas. Permitiu-se chorar pelo adeus.

Mas a melancolia e a nostalgia não a desanimaram. Estava determinada. Era o dia.

Faltava apenas um último cochilo. Deitou na rede, ajeitou o corpo pequeno e frágil. Já não tinha tanta vida, tanta energia ou beleza. Antes de adormecer, viu as copas das árvores se balançando do lado de fora da janela e sentiu conforto no movimento.

Então, fechou os olhos.

Por lá ficou, o corpo velho e cansado.
E Marta não olhou para trás.