24.11.07

Pontos de Vista (3 de 3)

Já era fim de noite e não conseguia parar de pensar naquilo. Fora na livraria, uma em que conhecidos lançavam livros e faziam apresentações, fora na frente dela que vira aquele menininho.
Dizia palavras em japonês, repetia-as como quem não tem amanhã, com sotaque e entoação errados, mas empolgadíssimo. Levava a caixa de doces nos braços finos e lhe ofereceu um. Não quis, nunca quer balas. Nem mesmo olhou para seus olhos, mas ouvia claramente sua voz esganiçada. "Kambawa", pois o moço sentado na cadeira lhe ensinara que já era muito tarde para "Kanitiwa".
E não conseguia esquecer aquilo. Pois o que parecia apenas uma vulgarização estúpida de uma cultura que aquele menino nunca entenderia, formou-se em sua cabeça como uma discussão interna, uma intriga estranha. Era um garoto pobre, não apenas de dinheiro. E um rapaz rico, rico de tudo, ou quase tudo. E então, de repente aquele encontro tomava as formas da uma das coisas mais belas dentre as tantas histórias e momentos acontecendo na cidade.
Se não eram esses os momentos em que a inspiração deveria vir, então deveria deixar de querer ser artista...Pegou o papel e o lápis e começou a rascunhar.

Às vezes é preciso apenas uma contadora de histórias amadora para passar para frente o que a grande maioria ignora e não vê...

10.11.07

Pontos de Vista (2 de 3)

Chegou em casa tarde e sozinho, como sempre. Seus fins de semana melancólicos e solitários se estendiam cada vez mais a cada mês. Porém, naquele dia, naquele dia em especial, algo estava diferente.
Havia, naquele mesmo dia, mais cedo, um garoto, um pequeno pedinte na porta da livraria. Mirrado, criança, curioso. Falava com autoridade de adulto, mas não passava de um pirralho intrometido. Sentado em um banquinho para descansar do calor infernal que fazia de tarde, ficara observando o garoto de longe. Quando este se aproximou pra vender balas ou pedir qualquer troco, ele retrucou:
- Sabe como se fala "Boa tarde" em japonês?
O menino, apreensivo e desconfiado, perguntou:
- Como?
Sorriu frente à surpresa do garoto.
- "Konitiwa" - respondeu - E "Boa noite" é "Kombawa".
- É? - perguntou o menino, ainda desconfiado.
- Sim - disse com confiança.
Então o garoto saiu correndo em direção às pessoas que passavam pela calçada da livraria, dizendo para quem quisesse ouvir as novas palavras de seu repertório. Alguns paravam, achando graça, outros ignoravam. Mas o menino se divertia. E ensinava seus amiguinhos.
- Como que é mesmo, tio?
- "Konitiwa" para "Boa tarde" e "Kombawa" para "Boa noite".
- Kanitiwa. Kambawa. Ok. - repetiu o pequeno.
E, pela primeira vez em anos, o "tio" se sentiu bem.