7.1.15

Tarde de domingo

Recordou a noite em que a conheceu.

Lucas – ou era Leonardo? – havia chamado uma turma para a casa dele. Era uma festa. Os pais do cara haviam viajado. Todos eram jovens, todos maiores de idade. Aquela fase em que haviam só começado a abandonar a adolescência. E ela estava lá.

Pensando bem, ela havia mudado pouco. Não era a menina mais bonita da festa, tampouco a mais charmosa. Tinha aquela presença fantasma que aparece em todo canto e em nenhum. Sempre sozinha, naquela roupa casual de quem não ligou muito na hora de se arrumar. Quando finalmente falou com ela, já conhecia seu rosto. Derrubou Coca-cola em si mesma e ele fez a gentileza de ajudar dando-lhe alguns guardanapos. Quando ela sorriu em agradecimento, ganhou-o de vez. Que sorriso.

A partir daquele instante, tudo nela pareceu demais. O jeito como enrubesceu por causa da Coca-cola. Como parecia totalmente desajustada ao tentar se limpar sob os olhares gozadores das pessoas ao seu redor. A forma como tirou sarro de si mesma depois, quando estavam só ele e ela, num lugar isolado do quintal. O sutiã bege que ficou marcado na parte molhada de sua roupa. Os olhos que brilhavam enquanto falava do gatinho preto que havia acabado de adotar e batizara de Caos.

O coração dele pulava no peito como se tentasse abrir um caminho para fora da cavidade torácica e sentia uma euforia que lhe dava impulsos de sair gritando e pulando. Estava feliz e era por causa dela. Nas semanas seguintes, viu seu apego crescer até quase virar obsessão. Tinha que falar com ela pelo menos uma vez ao dia. Ver suas fotos, ler suas informações na internet. Chegou até a criar alguns poemas, apesar de não ser dado a qualquer atividade artística.

Ela lhe mostrou músicas, livros, filmes. Ele se esforçou para impressioná-la com suas melhores referências. Trocaram ideias, opiniões, piadas, segredos, momentos. Trocaram toques, abraços e beijos. Juntaram amigos. Tiraram fotos. Assumiram-se. Brigaram. Quando um dia ela lhe contou que estava totalmente disposta a ajuda-lo a pagar pelo Corsa usado pelo qual havia se apaixonado, ele teve certeza: era amor.

Enquanto ele recordava, as lembranças nítidas dançando dentro de sua cabeça, ela dormia silenciosamente ao seu lado. Tarde de domingo, clima preguiçoso. Ele a observava. Tinha mudado pouco desde aquela noite, anos atrás. Porém, mudara tanto! Era o mesmo rosto sob uma luz diferente. Uma luz que lhe dava ângulos grosseiros e um semblante desagradável. Seu sorriso ultimamente parecia forçado e os olhos, mortos. Nada que dizia ou fazia era capaz de acender qualquer fagulha dentro dele.

Desde quando? Não sabia precisar. O que sabia era que na semana passada ainda a tinha como a mulher perfeita com quem pretendia se casar. Ainda ansiava por ligar e conversar com ela. Contar-lhe tudo. Andava com um sorriso no rosto por estarem de mãos dadas. Dava-lhe presentinhos com mensagens de amor. Agora não conseguia sequer suportar o seu cheiro.

Foi Caos, gordo e folgado, que pulou em cima dela e a despertou.

- Oi, bonito – sorriu ela, sonolenta. – Está tudo bem?
- Tudo – respondeu ele. – Tudo ótimo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário