22.4.10

Reparação

Menina Julia é uma estrelinha de 12 anos, favorita de mãe e de professora. Sempre fantasiou sua vida adulta naquele ponto alto: ganhando seu dinheiro, dona da sua própria casa, amada por um marido carinhoso e mãe de um filhinho precoce que já sabe soletrar. Sonha em ser heroína da família grande e de várias crianças carentes. E jamais vai perder a humildade - aquela que ganhou de sua origem. Afinal, se nasceu na comunidade, para sempre será da comunidade.

Tão puro é o coração da menina, que talvez essas coisas se concretizem mesmo. Então Julia vai ser aquele exemplo de mulher guerreira, que ajudou um mundo de gente e tem sua biografia escrita em formato best-seller. Talvez vire alvo de um repórter europeu que busca uma história tocante do país de terceiro mundo e tenha sua vida narrada em francês. E quando morrer de velhice, aos 97 anos, vai virar manchete de jornal burguês.

Fica, no entanto, a questão: Mesmo que um escritor famoso consiga florear essa narrativa e transforme-a em um clássico que seja traduzido para todas as línguas conhecidas; mesmo que Julia se torne um nome tão imortal quanto Romeu ou Julieta; mesmo que todas as testemunhas de sua história original já não existam, nem possam esclarecer os erros dessa continuação romanceada, algo muda sua realidade?

Pode, Briony, um erro ser reparado por um ato tão passivo?

Não é o leitor que não se satisfaz com um final caótico, mas sim o Senhor Absoluto de um Universo minuciosamente controlado.

Só ele e todos os seus pedaços coordenados.

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