10.2.10

Alterego

Leonardo era o tipo de terno, penteado e certo, o tipo orgulho da mãe, favorito do pai, o de maleta e celular smartphone. Lucas não, era o todo errado, era o menino rebelde, um apaixonado. De cabelo esquisito, sujo, mal-lavado, o que somente sabia fazer sua arte: o de tocar violão.

Com tanta diferença, só haveria mesmo um lugar para suportar tanto. Era na estação de metrô que esse extremo contrário convivia, existia, era. Na estação que se fazia o avesso, de um que só passa apressado, sombra cinza obstinada, enquanto o outro era o parar e abrir-se todo para aquela passageira multidão.

Leonardo, tinha que admitir, não era lá muito de música, muito menos de violão. Ouvia, às vezes apreciava, mas preferia as coisas mais lógicas, o passo-a-passo, o racionalmente explicável. Era mais o tipo prático que odiava drama, enrolação. Lucas, por ser invertido, já fazia o tipo viajado, perdido, louco irracional. Gostava do ritmo freado, para sentir, contemplar, se emocionar.

Apesar de no mesmo lugar, Leonardo jamais se deparou com Lucas, nem vice-versa. Pelo menos não na estação. Leonardo era o homem preso a um horário, aquele horário comercial. Lucas era o homem tudo, menos o do horário comercial.

Todos os dias Leonardo acordava às 7:30h e chegava ao escritório às 9h. Nesse horário, Lucas ainda dormia ou estava para dormir. Leonardo trabalhava o dia inteiro, Lucas compunha no entorpecimento. Leonardo na papelada, Lucas nas partituras. Um no computador, outro no violão. Pausa para o café, pausa para outro tipo de som.

Leonardo saía do trabalho às 18h e era só aí que Lucas estava se preparando para ir. Um ia, outro vinha. Convergindo na mesma estação. Quando Leonardo pisava em casa, Lucas já estava pronto, de pé, engatado. Leonardo tirava o paletó, a gravata, a camisa. Lucas esperava, pelo sinal. Leonardo tirava também a calça. Deixava a maleta, o smartphone. Lucas e sua a caixa de violão.

Leonardo trocava, se mudava, se reconstruía. O expediente havia acabado.

Então, aí sim, Lucas saía, chegava e tocava seu violão.

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